A indústria naval portuguesa já empregou 26.000 pessoas mas, hoje, restam os Estaleiros Navais de Viana do Castelo como a última grande empresa de um setor que nunca se conseguiu levantar após a chegada dos construtores asiáticos. O contra-almirante Victor Gonçalves de Brito, um dos maiores especialistas em indústria naval, recorda que o pico do setor foi atingido em meados dos anos setenta. Desde então o setor só tem perdido postos de trabalho, empresas e encomendas, até aos cerca de mil trabalhadores atuais.
“As crises económicas cíclicas desde 1973 fizeram reduzir a procura e desviar a indústria da construção naval desde a América do Norte e Europa para a Ásia. Mais recentemente a China e outros países vizinhos tornaram-se construtores com elevada quota de mercado”, justificou o especialista. Gonçalves de Brito destacou-se no Arsenal do Alfeite, onde foi chefe de divisão de projetos, diretor técnico e presidente do Conselho de Administração. “Maior produtividade, menores custos de produção e condições de mercado distorcidas”, são os motivos na alteração do mercado. Há cerca de 40 anos, só nos estaleiros de Viana do Castelo (ENVC), a construção e reparação naval empregava mais de 2.500 trabalhadores, na LISNAVE mais de 8.500 e em Setúbal (SETENAVE) cerca de 5.000. A estes somavam-se ainda 3.400 trabalhadores no Arsenal do Alfeite e cerca de 2.000 espalhados por outros estaleiros. “A importação de soluções desenvolvidas no Ocidente permitiram a implantação da Ásia como principal centro da indústria naval de grandes navios e de embarcações de serviços”, explica. A Europa foi relegada para “nichos de navios específicos de alta tecnologia, incluindo navios militares e equipamento para plataformas de exploração oceânica”, diz ainda o homem que liderou o Departamento de Construções da Direcção de Navios da Marinha portuguesa, entre 1994 e 2001. Quanto a Portugal, os Estaleiros da Lisnave, com cerca de 300 trabalhadores e o maior da Europa na reparação naval, são uma “honrosa exceção” ao panorama em que a modernização e especialização das empresas nacionais simplesmente não foi feita. “Portugal apenas deverá aspirar à construção de navios em nichos dentro dos nichos, aproveitando situações pontuais de ocasião, potenciando a diplomacia económica e valorizando a entrada na construção de navios militares de tecnologia média, marítimo turísticas e mais algumas outras oportunidades que aparecem esporadicamente”, afirma. Além da conjuntura internacional e das dificuldades do país, Victor Gonçalves de Brito sublinha que “neste momento a indústria naval portuguesa debate-se com o problema adicional de falta de profissionais qualificados”. “Mesmo que ocorresse uma viragem nas perspetivas de mercado de procura, a incapacidade de resposta seria um facto face à dita falta de recursos humanos qualificados e à descapitalização dos estaleiros que limita a respetiva atualização tecnológica e a inovação”, assume, ele que também foi presidente do Executivo dos ENVC, em 2010, onde trabalham cerca de 700 pessoas. “Portugal deixou de ser competitivo”, admite. Assinala que o país não tem custos de produção baixos, produtividade ou sequer capacidade de gestão “adequadas”. “E não dispomos de centro de excelência que disponibilizem rapidamente projetos técnicos inovadores e atrativos para os armadores, por total descapitalização das poucas estruturas de engenheiros e projetistas, existentes”, aponta. Entre o “nicho tecnológico” ao alcance de Portugal, conta-se, defende ainda, a aposta nas renováveis. “Sobretudo grandes estruturas oceânicas de energia, investigação e recolha de matérias prima para as águas sob controlo nacional, onde seja importante minimizar a distância do local de construção ao local de utilização”.