Numa decisão pouco habitual, a ex-Portugal Telecom foi condenada a uma indemnização de quase 60 mil euros por práticas que constituem assédio moral a um trabalhador da delegação de Viana do Castelo. Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), a que a Geice teve acesso, a antiga PT Comunicação terá de pagar a verba ao funcionário por lhe ter proporcionado, ao longo de praticamente seis anos, “um ambiente de trabalho vexatório e perturbador”.
O processo judicial foi iniciado pelo trabalhador de 60 anos, quadro técnico superior e funcionário da antiga empresa desde 1981. Em janeiro de 2013, o vianense avançou para a Justiça por considerar que “desde 2007 a empresa assumiu, para consigo, um comportamento que se traduz numa situação de assédio moral, ou ‘mobbing’, mantendo-o sem lhe atribuir qualquer tarefa e obstando injustificadamente à prestação efetiva de trabalho”.
No despacho, datado de 21 de abril, o Supremo Tribunal afirma que foi violado “o dever de ocupação efetiva” do funcionário, engenheiro de telecomunicações. O tribunal considera “incontornável concluir que com a sua conduta a empresa causou ao trabalhador, à vista dos seus colegas de trabalho, humilhações, constrangimentos e o isolamento, assim como lhe proporcionou um ambiente de trabalho vexatório e perturbador”. O acórdão refere ainda, ao longo de 44 páginas, que a indemnização se refere a danos não patrimoniais “em consequência do assédio moral de que o trabalhador foi vítima por parte da empresa de telecomunicações”. Atualmente, o trabalhador continua com a empresa e está a trabalhar num ‘call center’ de apoio técnico.
Ana Palhares, advogada que representou o engenheiro vianense, não quis revelar muito sobre o processo, mas considerou que uma condenação deste género pode ter um efeito “dissuasor” nas empresas que levam a cabo atos deste género.
“Esta é, de facto, uma decisão paradigmática e extremamente importante, porque permite que as pessoas percebam que estas práticas de assédio moral das empresas junto dos trabalhadores são situações extremamente dramáticas, que podem pôr em causa a saúde física e psicológica do trabalhador, bem como a sua vida, pois já todos ouvimos falar de situações que levaram ao suicídio”, considerou Ana Palhares. Para a advogada, estas são práticas “extremamente violentas” para os trabalhadores e o facto de este acórdão do Supremo Tribunal de Justiça “de forma clara e esclarecedora” condenar esta empresa pode funcionar “de forma dissuasora”.
O processo judicial teve início no tribunal vianense, “onde a ação foi julgada parcialmente procedente”, tendo as partes interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães que, em 2015 condenou a empresa ao pagamento de uma indemnização de 100 mil euros, “por danos não patrimoniais resultantes de assédio moral de que foi vítima”. O tribunal de Guimarães condenou também a empresa “a abster-se de todos os comportamentos que vinha a adotar desde dezembro de 2007, designadamente, manter o trabalhador sem funções” e a “atribuir-lhe funções adequadas às habilitações profissionais próprias de um quadro superior”.
A decisão do Supremo Tribunal reafirma agora a culpa da empresa e refere os factos dados como provados nas instâncias anteriores, que são considerados “vexatórios”. Lê-se no documento que, “desde dezembro de 2007 e até abril de 2009, foi destinado ao trabalhador, como local de trabalho, um gabinete com cerca de nove metros quadrados, onde permaneceu isolado, sem qualquer tarefa atribuída, sem acesso ao telefone e com a disponibilização de um computador exclusivamente limitado na sua utilização para consulta do ‘portal do colaborador’”. “O funcionário ficou sozinho no citado gabinete, no qual se encontram materiais deixados para trás por colegas de trabalho ou equipamentos desativados”, refere ainda o acórdão.
Durante todos estes anos, num período de apenas dois meses, em Outubro de 2012, a antiga empresa deu uma tarefa ao funcionário. “A empresa propôs ao trabalhador a realização de uma tarefa, que consistia em aferir se os sensores térmicos das lojas contavam corretamente ou não o movimento de entrada de clientes. Para tal o funcionário tinha de se colocar no local, fora da loja, e acionar manualmente um equipamento mecânico por cada cliente””, refere o acórdão, explicando que a função não foi bem aceite pelo engenheiro.
“O trabalhador sentia-se humilhado, embaraçado e abatido com a tarefa e com o ter que explicar o que fazia aos colegas e conhecidos que o viam naquela situação”, refere o documento, sustentando que tal situação lhe provocou “intenso e profundo sofrimento emocional, com transtorno do comportamento e reflexos no seu relacionamento familiar e afetivo”.
“Ora, estes danos são graves, porque atentatórios da saúde psicológica do funcionário, enquanto pessoa e trabalhador, e lesivos da sua personalidade e integridade moral, para além do seu bem-estar psíquico, por conseguinte, com reflexos no plano de realização pessoal do trabalhador”, vaticina o acórdão do STJ.
“Para esse efeito, dir-se-á que a empresa assumiu, em relação ao autor, um comportamento culposo, e revestido de uma considerável ilicitude, porquanto, quer a prestação efetiva do trabalho e da sua organização, devem não só ser exercidas em condições socialmente dignificantes no que concerne ao trabalho, como também desenvolver-se pautando-se pelo respeito pela honra e a dignidade deste, não o expondo a situações humilhantes e vexatórias”, declara ainda o despacho.
A advogada do trabalhador de Viana refere que “não há muitos exemplos – ou praticamente nenhuns -, a nível de decisão superior, no que toca a estes valores e estas motivações. Numa empresa como a Portugal Telecom, que tem um código de conduta e de responsabilidade social que a coloca num patamar muito diferente de muitas outras empresas a nível de responsabilidade, esta condenação pode servir como elemento dissuasor de algumas práticas que ainda possam existir”, revelou, dizendo que “para outras empresas, pode também servir como exemplo, para que não permitam estas práticas”. No que toca aos trabalhadores, Ana Palhares indica que esta decisão pode mostrar “que há um conforto na lei e junto dos nossos tribunais, no que toca a esta tipo de práticas que, obviamente, têm de acabar”.