Bispo de Viana do Castelo aos seus Diocesanos
Caríssimos Diocesanos,
Com a declaração do estado de emergência nacional, vai agravar-se, para a grande maioria de nós, uma situação a que não estávamos habituados: a fazer a vida em casa. Reparem bem: a vida. Isto significa que, mesmo nestas circunstâncias, temos de continuar a viver. Há, para isso, que aproveitar a situação, para fazermos dela fonte de vida. Quem sabe, uma vida até mais verdadeira.
Antes de mais, porque nela podemos reforçar a sua componente social, tão ou mais imprescindível que a individual. Tanto preciso dos outros, como eles precisam de mim. A começar pelos mais próximos: os familiares, para os quais, tantas vezes e por tantas razões, não tínhamos tempo. Agora, obrigam-nos a estar juntos: o marido com a esposa, os pais com os filhos e os filhos com os pais e, eventualmente, os avós. Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana e várias semanas por mês. Quantas? Nem sabemos.
Uma coisa deve ser intocável para nós: o respeito pelas normas que nos obrigam a estar em casa. Só assim se evita o temido contágio…e a morte que ninguém deseja, nem para si, nem para os seus, familiares, amigos, vizinhos ou simples concidadãos. Só assim eu amo a vida, a minha e a dos outros. Por isso, fiquemos mesmo em casa. Mas, repito, para viver. Como?
Antes de mais, organizando o dia-a-dia: com horas para tudo o que for necessário e possível. Mas, cada coisa na sua hora; e umas em comum, outras individualmente. Passar o tempo à deriva, ao ritmo do que me vai apetecendo, tornar-se-á aos poucos fastidioso, insuportável. Organizemos previamente o nosso dia-a-dia, particularmente se temos crianças entre nós. Que bela oportunidade para serem ainda mais educadas a terem regras e a segui-las!
Para nós, crentes, há coisas essenciais à vida e que, nas circunstâncias até agora normais, não fazíamos tanto ou tão bem. Mas agora podemos fazê-las e melhor. Refiro-me, em especial, à oração individual e em família: com pais e filhos ou apenas com marido e esposa. A partir de agora vamos ter, não só muito mais tempo para isso, mas também uma ótima e proveitosa maneira de o ocupar, a sós e com aqueles que formam o nosso núcleo familiar.
Deste modo, evitaremos não apenas que a vida em casa se torne cansativa e insuportável, mas estaremos em comunhão com Aquele de quem recebemos a vida. Em vós, Senhor, está a fonte da vida; e é na vossa luz que vemos a luz! Assim nos ensina a Bíblia a rezar (Sl 36,10). Façamo-lo, se possível unindo as nossas vozes. E – porque não? – cantando. Diz S. Agostinho: quem canta reza duas vezes. E nós acrescentamos: Quem canta seu mal espanta – o mal da solidão, do medo, do desespero, da morte. Rezemos, pois, ao Deus da vida. Temos muito mais tempo e mais razões para isso.
Neste sentido, proponho que se definam momentos e lugares de oração e se preparem esses momentos e lugares com textos, preferencialmente bíblicos, e símbolos (imagens, estampas, flores ou outras ornamentações), de tal modo que o espaço, em que rezamos em casa, se pareça com o de uma igreja e a família seja o que deve ser: uma Igreja doméstica, como família cristã que é.
Na missa dominical (e outras), sugiro que se siga uma das muitas celebrações, transmitidas pela TV ou via INTERNET. Não assistindo; mas, participando, rezando, cantando (se soubermos), vestindo-nos do mesmo modo como quando vamos à igreja e fazendo os mesmos gestos que se fazem na igreja. Se assim for, será uma verdadeira Missa, excetuando na comunhão eucarística que, nestas circunstâncias, terá de ser espiritual. Guardemos, para isso e se possível, na altura própria, uns momentos de silêncio e recolhimento, se a celebração no-lo permitir.
Julgo que há, mais uma vez, males que vêm (também) por bem. Há que aproveitá-los, já que não voltam mais – assim Deus o queira! Não sabemos quanto tempo vão durar. Mas, saber ocupar o tempo de modo útil e construtivo é, no mínimo, um dever, já que, como se diz, “a vida são dois dias” (mas longos).
Convido-vos ainda a que partilhemos as experiências feitas neste âmbito. Hoje, felizmente, não há fronteiras na comunicação, e com a vantagem de estarem imunes de contágio viral. Troquemos ideias e experiências – como vários sacerdotes e fiéis leigos já estão a fazer – e teremos ainda mais o que é essencial à vida, agora mais do que nunca, nesta guerra em que todos nos encontrarmos: a união que, se for em e com Deus, será muito maior.
Quero aproveitar a ocasião para deixar uma palavra a todos os que, por dever de ofício, terão de continuar a trabalhar e a encontrar-se com outras pessoas, expondo-se assim, ainda mais, ao perigo de serem infetados pelo vírus. Destaco, por razões óbvias, os profissionais de saúde e seus colaboradores, aos quais manifesto todo o meu apoio e, comigo, o da Igreja Diocesana a que presido. Estou convencido de que cada um de nós se revê e sente neles, já que fazem o que todos gostaríamos e quereríamos fazer e não podemos. Obrigado pelo que fazeis por nós. Iremos rezar por vós, confiando que o Senhor vos fará sentir a força da nossa oração.
Estamos, afinal, num tempo que não é só de desgraça, mas também de salvação, ou melhor, de salvação que nasce da desgraça. Mas é precisamente este o mistério da Páscoa que estamos a celebrar: o da vida que surgiu da morte de Jesus Cristo ou, se quisermos, do amor que Ele viveu com a total oferta da vida. Talvez estejamos a celebrar a melhor Páscoa da nossa vida. Vamos aproveitá-la.
Santa Páscoa!
Viana do Castelo, 19.03.2020 (Solenidade de São José e Dia do Pai)
†Anacleto Oliveira (Bispo Diocesano de Viana do Castelo)