“Todos dias vem muita gente bater-nos à porta. A pobreza é grande e as pessoas vão de porta em porta para que alguém as ajude”, disse à agência Lusa, por telefone, este padre português, natural de Viana do Castelo.
Aos 73 anos, José Arieira de Carvalho, cumpre desde 2006 uma segunda missão na República Democrática do Congo (RDCongo), onde já tinha estado cerca de 10 anos na década de 80.
Ensina uma turma de 35 jovens que se preparam para a vida missionária no seminário de Kinsagani, cidade do nordeste do país, que descreve como “uma das mais calmas do país” atualmente, depois de anos de violência e sofrimento causada pela guerra entre ugandeses e ruandeses no ano 2000.
Uma calma e normalidade que contrasta, segundo o missionário português, com outras zonas do mesmo nordeste congolês, nomeadamente na província de Kivu, onde a instabilidade política está a deixar campo aberto para “muitos roubos, assassínios e ataques à mão armada”.
“Praticamente todos os dias há massacres, gente forçada a abandonar as aldeias”, disse.
Na origem desta instabilidade, está o afastamento do atual chefe de Estado, Félix Tshisekedi, da coligação de governo estabelecida em maio de 2019 com o partido do presidente cessante Joseph Kabila e o estabelecimento de uma “União Sagrada”, a que se juntaram muitos dos deputados que estavam anteriormente na Frente Comum do Congo (FCC), de Kabila.
“É uma situação explosiva. O que isto vai dar ninguém sabe, pode até dar uma guerra civil”, receia o missionário.
A República Democrática do Congo realizou eleições em dezembro de 2018, após vários adiamentos e depois de Kabila ter sido sujeito a múltiplas pressões para deixar o cargo.
Apesar da vitória de Félix Tshisekedi, o partido de Kabila manteve uma maioria parlamentar após a eleição, cujos resultados foram contestados pela oposição e pela Igreja Católica, que sustenta que a votação foi ganha pelo candidato opositor Martin Fayulu.
Desde então, a RDCongo vinha sendo governada por uma coligação entre as forças de Tshisekedi e de Kabila.
O padre Arieira assinala também as consequências económicas e sociais desta instabilidade.
“As escolas estão abertas, mas os professores não são pagos. Os médicos nos hospitais também se queixam de que não são pagos e, por isso, várias escolas estão em greve”, disse.
O missionário português apontou ainda o estado das estradas, que, segundo disse, nas regiões interiores do país “praticamente deixaram de existir”.
“As entradas que vêm de Butembo ou Goma, que tem muitos produtos agrícolas que abastecem uma boa parte do Congo, praticamente não existem e algumas vezes juntam-se 500 a 800 camiões porque um encrava na estrada e os outros já não podem passar”, disse.
O sacerdote descreve um quotidiano “caótico” a nível político, económico e social, numa comparação com os primeiros anos da sua passagem pelo país, altura em que governava Mobotu Sese Seko.
“Essa foi uma altura calma em que as condições de segurança eram razoáveis e a agricultura e indústria funcionavam. Pouco a pouco as coisas foram-se deteriorando e dá impressão de que cada ano se deterioram mais”, disse.
Num país com potencial para ser um dos mais ricos do mundo por causa dos recursos minerais e do seu potencial agrícola, não existem indústrias e boa parte dos produtos alimentares são importados.
“As únicas fábricas que funcionam são as de cerveja. O Congo seria um dos países mais ricos do mundo, tem a maior floresta de África, tem ouro, cobalto e diamantes. Todo o Congo é cultivável, mas importa arroz e produtos agrícolas, quando podia fornecer esses produtos para toda a África”, lamentou.
Para o missionário português, toda esta riqueza acabou por ser “tornar uma maldição” para a República Democrática do Congo.
“Em todos esses países onde há mais recursos é onde há mais ataques e massacres e as populações não lucram nada com isso, vivem na pobreza”, disse.
O sacerdote apontou que o Ébola continua a matar entre a população, que sofrem ainda com a malária e a febre tifoide.
“O Ébola continua ativo, mas ninguém fala disso por causa do covid-19. Não passa um mês sem que um dos nossos jovens não seja atacado pela malária. Felizmente já é fácil de controlar, mas as pessoas sem meios morrem por falta de um comprimido que custa 5 ou 10 dólares”, disse.
O missionário português disse ainda que a pandemia de covid-19 não atingiu muito o país, onde apenas há registo de casos isolados.
“Felizmente, porque se acontecesse, 50% da população iria morrer”, disse, lembrando que nos transportes ou nos mercados “as pessoas vivem todas amontoadas”.