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25 Jan 2021

Presidenciais: Melgaço foi o concelho do país com maior abstenção

Pedro Xavier

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O medo de apanhar a doença causada pelo vírus SARS-CoV-2 e a "forte" emigração em Melgaço, concelho mais setentrional de Portugal, explicam a taxa de abstenção mais elevada nas presidenciais de domingo (78%) registada no país.

“Os cadernos eleitores de Melgaço tinham inscritos para votar 10.300 eleitores e [o município] tem uma população residente entre 8.500 e 9.000 [pessoas]. Daqui se percebe que há uma franja de eleitores que não está cá. Está fora, está no estrangeiro, e não votou porque não teve possibilidade de o fazer. É a abstenção técnica, como já referiu o primeiro-ministro, António Costa”, avançou hoje à agência Lusa o presidente da Câmara Municipal.

Melgaço, com 238 quilómetros quadrados distribuídos por 13 freguesias, é o concelho menos populoso do distrito de Viana do Castelo, tendo, de acordo com os Censos 2011, 9.213 habitantes.

A norte e leste Melgaço é limitado por Espanha, a sudoeste pelo município de Arcos de Valdevez e a oeste por Monção, sendo um concelho que é marcado pelo envelhecimento e desertificação, onde a Câmara ainda hoje é a principal empregadora.

Afastado dos grandes centros e ainda fundamentalmente rural, com forte aposta na produção de vinho Alvarinho, esses atributos têm sido explorados para potenciar turisticamente o concelho.

O “alerta” para o impacto da abstenção técnica já tinha sido lançado pelo autarca socialista Manoel Batista face ao “elevadíssimo nível de população emigrada”.

“Temos uma abstenção técnica brutal. Eu diria que rondará os 60 a 70%, o que carrega imenso a taxa de abstenção de Melgaço, mais do que em qualquer outro município do Alto Minho”, reforçou Manoel Batista.

A pandemia de covid-19 foi outras das razões apontadas pelo autarca para afastar a população mais idosa das urnas.

“Houve uma abstenção forte relacionada com as pessoas mais idosas que não saíram para votar. Ou porque estavam confinados ou porque temiam pela sua segurança”, especificou.

“Contrariamente ao que aconteceu em eleições anteriores, o município não promoveu campanhas de sensibilização para que as pessoas fossem votar. Deixámos essa questão ao critério de cada um por sabermos que temos uma população muito idosa que poderia correr riscos”, adiantou Manoel Batista.

Segundo os dados divulgados hoje pela Direção-Geral da Saúde (DGS), que se reportam ao período de 05 a 18 de janeiro, Melgaço regista uma incidência de 1.903 casos por 100 mil habitantes em 14 dias.

O concelho tem 41% do seu território integrado no único parque do país – Reserva Mundial da Biosfera. As aldeias de montanha de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro, que compõem uma União de Freguesias, e a freguesia de Cevide, onde começa Portugal, integram o Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG).

O ponto mais elevado de Melgaço situa-se no Giestoso, com 1.335 metros de altitude, na União de Freguesias de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro, a cerca de 27 quilómetros da sede do concelho, e a mais de 100 quilómetros da capital do Alto Minho, Viana do Castelo.

Naquela união de freguesias, dos 891 eleitores inscritos, apenas 119 votaram e, para o autarca local, Alfredo Domingues, o medo de apanhar a covid-19 é a principal justificação para a elevada abstenção registada em Castro Laboreiro e Lamas de Mouro.

Nas duas localidades, em permanência residem “cerca de 425 habitantes, 80% com mais de 75 anos”, disse.

“Foi mais devido à covid-19 que as pessoas não foram votar. A população está muito envelhecida e o dia esteve muito chuvoso, foi por aí de certeza. As pessoas andam com muito medo nesta altura. Acautelam-se e saem pouco de casa. O inverno por aqui também não ajuda muito”, sustentou Alfredo Domingues.

A cumprir o segundo mandato autárquico, o presidente daquela união de freguesias aponta ainda a desertificação das aldeias pela “forte” emigração.

“Somos uma zona de muito emigração e nesta altura está tudo fora. Muitos idosos foram para França. Têm lá os filhos e vão passar uns meses. Há muitos que foram antes do Natal e ainda não voltaram. Mesmo os que vivem em concelhos vizinhos não puderam vir votar porque não era permitida a circulação”, destacou.

Em Castro Laboreiro, Adílio Pereira, de 67 anos, não votou porque a infeção pelo novo coronavírus entrou-lhe casa adentro e fechou-lhe os negócios da família, uma padaria e um mercado.

“Nós estamos fechados em casa e não pudemos ir votar, mas, a meu ver, muita gente da freguesia teve medo de sair de casa por causa da covid-19. Sabe como é, o medo é mais forte que o resto”, lamentou.

“As pessoas pensam: vou votar e apanhar uma doença? As pessoas não fazem cuidado nenhum, andam sem máscara ou com ela mal colocada, andam de qualquer maneira e feitio, e as pessoas têm receio”, disse, considerando serem fatores que contribuirão para a forte abstenção na localidade.

Conhecido pela alcunha de “meteorologista”, por divulgar através da sua página na rede social Facebook fotografias da neve em Castro Laboreiro, Adílio diz que o “cansaço” é o pior sintoma que a doença lhe tem causado e a “cisma” que não o larga.

“Também estou muito aborrecido por estar fechado no quarto. Ainda tenho sorte de estar com a mulher. Conversamos, vemos televisão, leio um bocadinho”, adiantou.

A abstenção nas eleições presidenciais de domingo foi de 54,55% no território nacional, a mais elevada de sempre em sufrágios para a escolha do chefe de Estado.

Nestas eleições em contexto de pandemia, nas quais Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito Presidente da República, votaram 4,2 milhões de eleitores, menos de metade dos 9,3 milhões de inscritos no território nacional.

Esta taxa de abstenção foi a mais elevada em eleições presidenciais, ultrapassando a registada na reeleição de Aníbal Cavaco Silva, em 23 de janeiro de 2011, em que 53,56% dos eleitores optaram por não ir às urnas.

As eleições presidenciais de domingo voltaram a confirmar a tendência para uma maior abstenção quando se trata de um segundo mandato.

Em Melgaço, que levou às urnas apenas 21,77% dos eleitores inscritos, Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito Presidente da República com 68,6% dos votos, Ana Gomes ficou em segundo, com 12,8%, e André Ventura em terceiro, com 8,1%.

Em quarto lugar ficou Vitorino Silva, com 4,71%, seguindo-se Marisa Matias, com 2,81%, Tiago Mayan Gonçalves, com 1,75%, e João Ferreira, com 1,15%.

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