“Tudo se resume a uma história de uma mulher que existiu mesmo e de uma outra, a sua principal vítima, na prisão de Caxias, que ainda hoje é viva”, afirmou hoje o diretor artístico do Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana (CDV).
Ricardo Simões, que respondia às perguntas dos jornalistas através de videoconferência após um ensaio de imprensa, explicou que o monólogo do qual é o encenador e que é interpretado pela atriz Ana Perfeito resultou de uma adaptação do romance lançado por Ana Cristina Silva, intitulado “As Longas Noites de Caxias”.
“É um exercício teatral muito exigente, mas nos tempos que correm achamos muito pertinente falar destas histórias sobretudo quando assistimos, um pouco por todo o mundo, mas também na sociedade portuguesa, a tentativas de suavizar a memória do fascismo. Este romance, que saiu em 2019, é a prova mais do que viva, não apenas, que o fascismo não teve nada de suave como foi brutal para a generalidade dos portugueses”, sublinhou Ricardo Simões.
A 146.ª criação do Teatro do Noroeste – CDV estreia-se na quinta-feira, às 21:00, na Sala Experimental do Teatro Municipal Sá de Miranda e integra o programa das comemorações populares do 25 de Abril em Viana do Castelo.
A peça é ainda representada na sexta-feira às 19:00, e no sábado, devido às restrições da covid-19, às 11:00. A partir do dia 30 entra em digressão com espetáculos já confirmados na Maia, Faro e Covilhã.
Segundo Ricardo Simões, o monólogo conta as “atrocidades” que uma agente da PIDE, Madalena Oliveira, conhecida por Leninha, que morreu em 2003 e que ainda hoje é uma figura desconhecida da grande maioria dos portugueses, praticou sobre mulheres detidas na prisão de Caxias.
“Esta mulher deixava os filhos com os avós, e saía de casa à noite para ir para a prisão de Caxias onde era a responsável pela tortura das prisioneiras políticas. É um texto duro, mas o que nos fascinou e intrigou é como alguém mãe e mulher, pica o ponto para ir bater, espancar e brutalizar com requintes de uma malvadez incríveis pessoas inocentes”, frisou, adiantando que ser “uma forma de prestar homenagem à vítima”, na altura com 20 anos.
“É a partir dos seus depoimentos que foram conhecidas muitas das atrocidades cometidas. Foi a mulher que foi sujeita a mais tempo de tortura do sono. Esteve 18 dias sem dormir e não contou nada à PIDE”, sublinhou.
Ricardo Simões explicou que a companhia decidiu “preservar” a identidade da vítima por considerar “não ser necessária para contar os seus “relatos verdadeiros e factuais”.
A ideia de levar à cena o monólogo “Noites de Caxias” “nasceu” durante o confinamento da pandemia causada pelo novo coronavírus, e foi “pensado de raiz” por Ricardo Simões e Ana Perfeito.
Apesar de “abordar um tema que já não é novo, das prisões durante o Estado Novo, durante a ditadura salazarista, o interessante foi fazê-lo através do ponto de vista de uma mulher”.
Aos jornalistas, Ana Perfeito, a atriz que pela primeira vez representa um monólogo, destacou o “grande desafio” que é encarnar a personagem da agente da PIDE, que mesmo julgada e condenada em tribunal, “no fim da sua vida não se arrependeu minimamente do que fez”.
“Acreditou que estava a cumprir o seu trabalho, na cabeça dela era tudo justo, o 25 de Abril foi das piores coisas que lhe aconteceram na vida. Esse é o principal desafio. Isolar-me dos meus ideais, de ser mãe e mulher. Não queremos que o público tenha o mínimo de compaixão por esta mulher. Queremos que saia da sala a odiá-la”, reforçou a atriz de 38 anos.
Com capacidade para 60 espectadores, devido às restrições impostas pela Direção-Geral da Saúde, cada uma das três representações do monólogo “Noites de Caxias” acolherá 30 pessoas.
O espetáculo de ato único terá uma duração de mais de uma hora.