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15 Mai 2021

Erotismo, juventude e velhice dançam juntos em “Insónia” a nova obra da vianense Olga Roriz

Pedro Xavier

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Um romance do japonês Yasunari Kawabata "perseguiu" Olga Roriz durante décadas e levou a coreógrafa a reunir em palco erotismo, juventude e velhice, elementos que, tal como a pandemia, podem provocar "insónia", e perturbar a criação artística sem a derrubar.

“Este livro persegue-me há muito anos”, confessou Olga Roriz, sobre “A casa das belas adormecidas”, em entrevista à agência Lusa, sobre a sua nova coreografia, “Insónia”, com estreia marcada para 21 de maio, no Teatro Municipal de Bragança, entrando depois em digressão nacional.

A inspiração para criar “Insónia” partiu do romance do Nobel japonês da Literatura, sobre a juventude, a velhice, a beleza e o erotismo, o desejo e as memórias que se cruzam num espaço de prostituição, onde jovens mulheres nuas, intocadas e intocáveis, dormem profundamente sob o efeito de poderosos narcóticos. Sem o saber, as jovens adormecidas são contempladas por homens idosos impotentes, em busca de consolação.

Olga Roriz lembra que por várias vezes pensou em verter a essência do romance de Kawabata para uma peça coreográfica. A primeira nos anos de 1980, para o Ballet Gulbenkian, onde foi coreógrafa principal: “A minha ideia não era contar a história numa peça. Mas, com o passar do tempo, essa história suscitou-me diversos pensamentos”, e foi pegando na ‘Casa’ até que, pela terceira vez, sentiu que “era o erotismo, a juventude e a velhice que sobressaíam muito”.

De acordo com a atual editora portuguesa (Dom Quixote), “A casa das belas adormecidas”, concluído em 1961, sete anos antes da atribuição do Nobel ao escritor, é “uma obra-prima profundamente perturbadora, que encerra um universo erótico fascinante e assustador”, tendo inspirado “outros autores a escrever sobre afetos e sexualidade na terceira idade, nomeadamente Gabriel García Márquez em ‘Memória das Minhas Putas Tristes'”.

Eguchi, o personagem principal do livro de Kawabata, não toca nas jovens mulheres, mas os corpos despidos trazem-lhe recordações sobre a sua vida, as viagens, a família, amigos e amantes, num fluir de pensamentos que acaba por o conduzir à imagem da própria mãe.

“Todos nós já tivemos esta experiência de estar próximos da juventude, na família, entre amigos e amantes. Está no nosso ADN”, vincou a coreógrafa.

No seu processo de trabalho, Olga Roriz desafia os bailarinos a refletir e experimentar fisicamente sobre um determinado tema.

Com uma ideia em mente, Roriz lança-a aos bailarinos, que a trabalham, devolvem, e a coreógrafa volta a pegar nela.

“O que chega ao público é a verdade. É o resultado dessa viagem entre mim e o intérprete”, resume.

“A casa das belas adormecidas” fê-la viajar por vários conceitos ao longo do tempo, e já tinha diversas cenas coreográficas construídas mentalmente, que foi “deixando cair”, ficando aquilo que considerava essencial contar, num espetáculo que reúne texto e movimento.

Desse processo, de profunda ponderação interior, os bailarinos puderam descobrir o que existe dentro deles influenciado por outras pessoas importantes na sua vida. E muitos falaram no pai e na mãe.

“Esta busca dentro de si próprio revelou o masculino e feminino que existe em nós”, apontou a criadora, na entrevista à Lusa.

Paralelamente, o trabalho da companhia sofreu a influência da vivência em pandemia, do confinamento, das limitações e das exigências de distância.

Com três estúdios no palácio Pancas Palha, em Lisboa, onde habitualmente ensaiam, foi possível os bailarinos rodarem individualmente nos espaços, e filmar o seu progresso.

“Foi um trabalho muito exigente. Tinha de ver sete vídeos diariamente para acompanhar o progresso do trabalho, dar ‘feedback’ e incentivar os bailarinos”, recordou a coreógrafa sobre esses tempos “muito longos” de ensaio da nova peça, desde dezembro de 2020.

Quando finalmente puderam desconfinar, soltou-se uma euforia física: “Foi como abrir as portas de uma prisão, e saíram todos disparados em direção ao palco”, brinca.

O título do bailado, “Insónia”, remete tanto para a insónia experimentada pelo protagonista do livro, como para aquela que os bailarinos sofreram durante a pandemia, que, segundo Olga Roriz, “foi bastante difícil de suportar, pela preocupação e ansiedade”, e exigiu “uma reinvenção de todos os artistas”.

Nesta nova coreografia, a criadora perdeu três bailarinos com quem habitualmente trabalha – porque são ‘freelancers’ e, devido ao confinamento, viram reagendados outros trabalhos, ao mesmo tempo. Porém, ganhou novos intérpretes, na sequência de audições internacionais.

“Desvendar novos bailarinos foi outro trabalho acrescido, porque temos de nos conhecer mutuamente. Mas estas pessoas trouxeram um oxigénio importante”, concluiu, sobre a renovação de pontos de vista e opções estéticas.

Catarina Câmara, Connor Scott, Emanuel Santos, Marta Lobato Faria, Melissa Cosseta, Natalia Lis e Yonel Serrano são os intérpretes da peça.

Com direção de Olga Roriz, o espetáculo – que resulta de uma coprodução com o Centro Cultural de Belém, o Município de Aveiro/Teatro Aveirense e o Município de Viana do Castelo – tem banda sonora escolhida por Olga Roriz e João Rapozo, congregando música de Handel, Bach, Eleni Karaindrou e Peteris Vasks, com Brian Eno, Gloria Gaynor e João Hasselberg, entre outros compositores. A cenografia e figurinos são de Olga Roriz e Ana Vaz, o desenho de luz, de Cristina Piedade e, a edição de som, de João Rapozo.

A digressão de “Insónia” passará, depois da estreia, a 21 de maio, em Bragança, a 10 e 11 de junho pelo Teatro Municipal Sá de Miranda, em Viana do Castelo, a 17 e 18 de setembro, pelo Teatro Aveirense, em Aveiro, e, a 13 e 14 de janeiro de 2022, pelo Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

Em 2015, Olga Roriz assinalou 20 anos da companhia em nome próprio e 40 anos de carreira, com a revisitação de “Propriedade Privada” (1996), no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa.

O seu repertório na área da dança, teatro e filme é constituído por mais de 30 obras.

Criou e remontou coreografias para o Ballet Gulbenkian, Companhia Nacional de Bailado, Ballet Teatro Guaira (Brasil), Ballets de Monte Carlo, Ballet Nacional de Espanha, English National Ballet, American Reportory Ballet e Alla Scala de Milão (Itália).

Nascida em Viana do Castelo, em 1955, Olga Roriz teve como formação artística o curso da Escola de Dança do Teatro Nacional de São Carlos, com Ana Ivanova, e o curso da Escola de Dança do Conservatório Nacional de Lisboa, tornando-se primeira bailarina do Ballet Gulbenkian, dirigido na altura por Jorge Salavisa, onde foi depois convidada para coreógrafa principal.

Em 1992, assumiu a direção artística da Companhia de Dança de Lisboa e, em fevereiro de 1995, viria a criar a Companhia Olga Roriz, atualmente instalada no Palácio Pancas Palha, cedido pela Câmara Municipal de Lisboa.

O seu repertório conta, entre outras, com as peças “Pedro e Inês”, “Inferno”, “Start and Stop Again”, “Propriedade Privada”, “Electra”, “Os Olhos de Gulay Cabbar”, “Nortada”, “Jump-Up-And-Kiss-Me”, “Pets”, “A Sagração da Primavera”, “Antes que Matem os Elefantes”, “Síndrome” e “Seis Meses Depois”.

Foi distinguida com a insígnia da Ordem do Infante D. Henrique (2004), Grande Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores (2008), o Prémio da Latinidade (2012) e o doutoramento Honoris Causa por distinção nas Artes pela Universidade de Aveiro (2017), entre outras distinções.

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