Ouvida como testemunha na 45.ª sessão do julgamento, a decorrer no Tribunal Central Criminal de Lisboa, por videoconferência, Eva Joly lembrou que “Rui Pinto chamou as atenções do mundo para a horrível corrupção que existe no mundo do futebol”, e também que é “graças a ele que foi possível ver a corrupção existente em Angola”.
“Há inúmeros inquéritos que só foram lançados graças às informações que ele [Rui Pinto] revelou. É insuportável pensar que ele possa estar detido por querer combater a corrupção”, afirmou a testemunha francesa, acrescentando: “Ele é um herói mundial”.
Eva Joly, que trabalhou como juíza durante 25 anos e, atualmente, trabalha como advogada, expressou a importância de Portugal alterar a legislação em vigor, para que as informações obtidas por Rui Pinto possam ser utilizadas, tendo inclusive apelado diretamente à atual ministra da Justiça, Francisca van Dunem.
“Não há que dar valor ao modo como a informação foi obtida. A única coisa a considerar é se a informação revela ou denuncia infrações ou revelações do bem público. [A detenção de Rui Pinto] É dar a Portugal a imagem de um país que protege as suas elites, em vez de usar a informação que tem disponível”, reiterou Eva Joly.
Apelidada pela defesa do arguido como “a juíza anticorrupção”, pelo seu percurso ligado ao combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, a francesa, com origem norueguesa, observou que Rui Pinto é “alguém impactante e que irradia as suas ideias”.
“É uma pessoa que consegue mudar o mundo. Fiquei impressionada como uma pessoa tão jovem tem tanta convicção e quase uma inocência. É uma pessoa com uma grande vontade de combater a corrupção, que constitui um perigo tão grande para a democracia. As motivações de Rui Pinto são do bem comum”, sublinhou a magistrada.
Quando questionada sobre se tem conhecimento do processo, que envolve violação de correspondência, Eva Joly afirmou que não conhece e não leu: “Este cenário, a ser confirmado, é outra história e, naturalmente, que sou contra. O que me choca é que as provas estão ao dispor de todos e não são usadas para se limpar o mundo do futebol”.
“O que suscitou o meu envolvimento neste processo foi a constatação de que Rui Pinto estava na prisão e o Ministério Público há muito tempo que se preocupava com ele, sem dar importância aos elementos divulgados e às ações criminosas da Doyen. Isso é que me chocou e me levou a agir. Não me compete a mim entrar nos assuntos do processo, que não conheço”, frisou, garantindo não ter “qualquer ligação” ao arguido.
Eva Joly revelou ainda ter apenas visitado Rui Pinto quando este esteve detido, em 2019, e realçou que “o papel do denunciante é primordial”, pois, “sem eles, não haveria quaisquer inquéritos lançados contra a corrupção e lavagem de dinheiro”, não sendo possível “menorizar o papel tão essencial dos denunciantes”.
No final da sessão, a presidente do coletivo de juízes, Margarida Alves, não designou uma data para a continuação do julgamento do processo, embora tenha apontado a retoma para a última semana de setembro.
Rui Pinto, de 32 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.