André Martins, explicou que a peça assenta na vivência da comunidade de Elipse, que sobreviveu secretamente no Norte de Portugal desde 1910, introduzindo “os temas da própria comunidade, desde a identidade, as máscaras, temas filosóficos de como vivem e por que motivo se isolaram”.
“Essa ideia de conferência começa a tornar-se naquilo a que chamo de ‘desconferência’, quando outras figuras são introduzidas. Por exemplo, uma personagem da própria comunidade e, outra, enviada de um suposto regime da extrema-direita que tomou conta de Portugal e que introduz esse comentário social e político e vai trazendo outros temas”, especificou.
“A comunidade forjou a sua cultura a partir da rejeição da transcendência das religiões. Em Elipse, vive-se o ateísmo e o quotidiano é um laboratório ritualístico para os mistérios da vida. Os habitantes de Elipse cultivam ativamente o espanto, a dissolução da identidade e a imanência”, lê-se na sinopse do espetáculo.
“Se pensarmos em questões que parecem não estar relacionadas com a peça, como por exemplo, as alterações climáticas na verdade elas estão lá. Como é que eu, como indivíduo, pelos pequenos hábitos, por tudo o que faço estou, ao mesmo tempo, a relacionar-me com algo que me ultrapassa completamente, como a saúde do planeta inteiro, como um organismo”, apontou o encenador e dramaturgo.
André Martins, explicou que “posicionou quase todos os temas da peça, numa espécie de violência” com que cada um “tem de lidar todos os dias, num abismo entre o indivíduo e, ao mesmo tempo, o todo, quase incompreensível”.
“Mesmo que os temas pareçam muito diferentes entre si, na verdade é sempre esta clivagem, este abismo, que temos de resolver todos os dias, e a que acabamos por voltar”, observou.
“É uma clivagem entre a interioridade de cada pessoa, de como é que ela é quando está completamente sozinha, como pensa e se relaciona com as coisas, e ao mesmo tempo, o coletivo completamente mecânico de uma sociedade ou de um planeta de que temos a ilusão de controlar, de fazer parte dele, mas que nos foge completamente ao controlo”, reforçou.
O espetáculo “circula entre a conferência, entre cenas mais típicas de teatro, dialogadas e, outras cenas performativas, aparecendo em palco “a história e os rituais de Elipse, documentados em vídeo, imagens de rituais com máscaras, da contemplação através de câmaras obscuras e do uso da ação repetida para purgar imagens da interioridade”.
A nova produção da Comédias do Minho estreia-se em Paredes de Coura, na sexta-feira, na Caixa de Música, às 21:30 e, no sábado, à mesma hora sobe ao palco do auditório da Escola Superior de Ciências Empresariais, em Valença.
Já em dezembro, no dia 03, é a vez da Casa da Cultura de Melgaço receber o espetáculo, que passará, no dia seguinte, por Vila Nova de Cerveira, no palco do Fórum da Bienal.
Monção é o concelho que fecha a digressão de “Elipse”, a peça, no dia 10, às 21:30, no cineteatro João Verde.
O espetáculo vai ainda passar pelas escolas do Vale do Minho.
“Eu coloco, intencionalmente, temas muito fortes na peça que vão desde a identidade, à doença mental, e à morte, exatamente. O espetáculo não é desenhado para as escolas, mas quando eu tinha [essa] idade teria adorado que me tivesses colocado este tipo de temas, em vez de os evitarem”, referiu André Martins.
O espetáculo tem interpretação de Joana Magalhães, Rui Mendonça, Valdemar Santos e Nuno j. Loureiro.
Gonçalo Fonseca é o criador de máscaras e de cena de máscara, e Vasco Ferreira é responsável pelo desenho de luz.
Paulo Pinto assina a cinematografia da peça, tendo a música original sido criada por Ricardo Baptista.
A Associação para a Promoção de Atividades Culturais no Vale do Minho – Comédias do Minho foi criada em 2003, fruto do investimento e da colaboração dos municípios de Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira.
A companhia, com sede em Paredes de Coura, assenta a sua atividade em três eixos de intervenção: o teatro, um projeto pedagógico, apostando na formação artística dos jovens, e um projeto comunitário, difundindo e dinamizando projetos das comunidades, apoiando também a formação de grupos de teatro amadores.