“A minha preocupação é relacionar o meu trabalho com a envolvente, natural e física. Integrá-lo numa espécie de diálogo com a natureza”, disse hoje à agência Lusa o fotógrafo documental Joan Alvado.
Autor de projetos como Escola de Pastores, na Sérvia, ou O último Homem na Terra, em Espanha, Joan está em Arcos de Valdevez a realizar a primeira de várias residências artísticas e académicas que irão apoiar a Câmara local a desenhar o melhor modelo de valorização da zona poente do concelho, no distrito de Viana do Castelo.
O território abrange várias freguesias, localizadas na envolvente do Parque Nacional da Peneda Gerês (PNPG).
Joan foi “desafiado” pelo FAHR 021.3, ‘ateliê’ de arquitetura e arte envolvido no projeto municipal, a fazer a sua “leitura” da identidade daquele território, das suas gentes, tradições, usos e costumes.
Desde setembro tem percorrido com o rio Vez, as montanhas do Soajo e da Peneda, a “mística” ou a floresta encantada [também conhecida localmente por floresta mágica ou floresta da Miranda, aldeia situada a 10 quilómetros do centro de Arcos de Valdevez].
Observou os lugares de culto e fé, conheceu rituais sagrados do homem do período do megalítico que ainda hoje, destaca, perduram na natureza.
O monte do Castelo, em Vila Fonche, que será o “motor” do projeto municipal, palco anual da procissão em honra de Nossa Senhora do Castelo.
“Tenho observado como toda esta mística da natureza se relaciona com a realidade das comunidades locais”, observou Joan.
Sem querer particularizar, admitiu ter sentido “uma forte ligação” com o rio Vez e com a floresta encantada de Miranda, na margem direita do rio Lima, singular pela diversidade de árvores.
“Senti que são locais onde vale sempre a pena voltar, em dias diferentes, com condições climatéricas distintas. Mostrar-se-iam sempre de uma maneira diferente”, destacou.
Na floresta encantada de Miranda, sem freguesias nas proximidades, com pouca atividade e presença humana, observou garranos e “sentiu” a “força que a natureza tem nas pessoas”.
“No inverno não se vê gente, não há trabalhos agrícolas. São locais onde a natureza está muito presente e tem muito peso na vida das pessoas”, apontou.
Joan fala de uma “experiência especial” por ter sido “bem acolhido” pelas populações e da “rapidez” com que conseguiu interagir com o território, “graças” aO apoio de Cláudia Fernandes, da empresa local Northland, que se tornou a sua guia durante estes meses.
A residência artística termina no domingo e dela resultará uma instalação artística e uma exposição de fotografias, a realizar no espaço público.
“Se as minhas fotografias forem expostas num bosque, quero que se relacionem com esse bosque. Se forem expostas junto ao Vez, quero que se integrem no rio, numa espécie de diálogo. Interessa-me perceber a perceção que as pessoas que habitam nesses lugares têm sobre o meu trabalho”, explicou o fotógrafo.
Para o chefe de Divisão de Desenvolvimento Sociocultural da Câmara de Arcos de Valdevez, Nuno Soares, a zona poente concelho, apesar de não estar integrada no PNPG, “concentra património natural, histórico, arqueológico igualmente rico e importante”.
O próximo passo, em 2022, será avançar com um plano estratégico de valorização tal como aconteceu com a pacata aldeia de Sistelo, classificada monumento nacional e conhecida como o “pequeno Tibete português”, devido aos seus socalcos, ou com a freguesia de Extremo e os seus fortes do período da Guerra da Restauração da independência portuguesa, do século XVII século XVII”.
O projeto, explicou, irá estender-se, para sul, desde zona urbana de Arcos de Valdevez, até ao monte do Castelo, passando por Miranda e pela floresta encantada até ao rio Lima e, para norte, até ao Extremo, na fronteira com Paredes de Coura e Ponte de Lima.
Hugo Reis, cofundadoR do ‘ateliê’ de arquitetura e arte, realçou a importância de “começar a olhar com outros olhos” para este território, “que converge” com outros municípios do Alto Minho “e que, por esse motivo, permitirá a sua potenciação numa lógica interregional”.
“Para o lado ocidental de Arcos de Valdevez convergem uma série de florestas, criadas durante o Estado Novo, que são verdadeiras pérolas, feitas de uma variedade incrível de vegetação e todas elas muito humanizadas. A ideia é virar as costas, no bom sentido, ao PNPG, e olhar para toda a outra realidade existente na sua envolvente”, referiu.
Defendeu que a nova estratégia municipal de valorização daquele território não assentará “apenas na potenciação turística, mas na vertente ambiental, cutlural e social”.
“O município não está focado, meramente, no atrativo turístico, ainda que seja, provavelmente, por aí que se consigam alicerçar melhores condições para o apoio de fundos comunitários e investimentos futuros, mas é todo um trabalho mais profundo, do impacto social nestas áreas em processo de desertificação, de abandono e com imensas carências”, especificou Hugo Reis.