“Ano após ano, somos obrigados a adiar por causa da pandemia de covid-19. Já vamos para o terceiro ano. Custa um bocado”, disse hoje Norberto Fernandes, escolhido em abril de 2019, para mordomo da Cruz de Fontão, no ano seguinte.
Em declarações à agência Lusa, o empresário de 64 anos disse ter “assumido ser mordomo da Cruz por mais um ano”, na “esperança” que “em 2023, finalmente”, seja possível cumprir a tradição.
A decisão de cancelar, este ano, a tradição que remonta à segunda metade do século XIX foi tomada pela freguesia, em reuniões que envolveram o pároco, a comissão fabriqueira e a população da aldeia.
A tradição secular realiza-se no domingo, com um almoço de Páscoa, que antes da pandemia chegava a juntar meio milhar de convidados.
O menu da refeição tem de incluir, entre outras iguarias, a canja de galinha velha, filetes, cabrito e a doçaria tradicional da Páscoa. Há três anos que não há almoço e não há nova eleição.
A escolha do mordomo do ano seguinte é sempre um dos momentos altos da refeição.
A mulher do anfitrião, braço direito na organização do evento, sobretudo no que diz respeito à ornamentação do espaço onde é servido o almoço, tem ainda a tarefa de entregar um raminho de laranjeira ao novo mordomo.
De ramo da cruz na mão, a mulher do anfitrião percorre as diversas mesas, simulando deixá-lo aqui e ali e pregando vários sustos aos convivas, até o depositar definitivamente nas mãos do eleito.
Além de dar de comer a quase toda a freguesia, o mordomo tem ainda que, durante um ano, assegurar a limpeza da igreja e os serviços do sacristão
“É um momento que nos diz muito porque quando entregamos o ramo a um amigo ou colega para assumirem a função de Mordomo da Cruz, temos de o fazer como manda a tradição. Não é não fazer nada e só entregar o ramo da cruz. Isto é uma festa do povo porque a Páscoa, em Fontão, tem tradição. Se não for como se fazia até 2019 [antes da pandemia] não vale a pena”.
“Em 2019, quando recebi o ramo da cruz comecei a bater às portas, casa a casa, para convidar todos. É assim que vamos fazer, se Deus quiser, e se estiverem reunidas todas as condições. Se ainda houver restrições para o número de participantes, teremos que reduzir. Mas, mesmo assim vai ser especial”.
Antigamente, lembrou, “havia a vaidade de só convidar as pessoas importantes da aldeia. Mas comigo não. Vai o povo todo porque é um festa do povo”, frisou o empresário que, juntamente com os filhos, gere um negócio de carpintaria.
Norberto Fernandes não escondeu a “tristeza” pelo adiamento da tradição pascal, em 2020, para homenagear o sogro, na altura com 87 anos de idade, pelos 50 anos de ter sido mordomo da Cruz.
“Tínhamos tudo preparado para fazer uma homenagem ao meu sogro. Estamos a fazer tudo com tanto gosto e foi tudo por água abaixo. O meu sogro morreu sem que lhe fosse feita a homenagem e, um mês depois, morreu o meu pai, que não vai ver o filho ser mordomo da Cruz”, desabafou.