«Cantai ao Senhor porque Ele fez maravilhas, anunciai-as em toda a terra»
As comunidades cristãs são convidadas a prepararem um grande acontecimento que em cada ano se renova. Estamos a referir-nos ao Natal, isto é, a celebração do nascimento de Jesus de Nazaré.
Este acontecimento marcou de tal modo a história da humanidade, de há dois mil anos até hoje, que, em grande parte do mundo, a sociedade e a cultura se vêm por ele envolvidas.
Contudo, seja na comunidade cristã, seja na vida de cada cristão, seja na sociedade em geral, para que o acontecimento do nascimento de Jesus Cristo se manifeste em todo o seu significado e com toda a sua força salvadora, exige-se a descoberta e, mais ainda, o entrar nele, deixar-se deslumbrar pelo seu esplendor e assumir os desafios que a partir dele provocam na pessoa humana.
Não podemos ceder á tentação de viver um acontecimento tão profundo e significativo para o mundo de hoje, como o foi noutros tempos, tão só na sua roupagem, alienando-nos no supérfluo e acomodando-nos ao ritual vazio da moda e do consumo.
Não, pelo contrário, numa época caracterizada pelo vazio, pelo relativismo, pela superficialidade, pelo individualismo e, consequentemente, pelo desumanismo, exige-se ao ser humano, portador de pensamento e de interioridade, de ansia de humanidade e de respostas profundas ao seu ser pessoal e comunitário, que aceite o desafio de caminhar ao encontro d’Aquele que se manifestou como o Filho do Homem, o Filho de Deus, que na Sua Encarnação ofereceu a toda a criatura o rosto da verdade acerca da pessoa humana.
É este convite que dirijo a todos os diocesanos, cristãos e pessoas de boa vontade, insatisfeitos pelas circunstâncias actuais da nossa sociedade e da nossa cultura, mas também aqueles que ainda não se deixaram libertar do materialismo manipulador, para todos nos deixarmos deslumbrar pela pessoa de Jesus de Nazaré que nasce nas coordenadas do espaço e do tempo, que caminha connosco para nos ensinar a ser verdadeiramente humanos, oferecendo-nos os critérios para uma autêntica fraternidade onde reinarão a justiça e a paz, o amor e a misericórdia e na qual os mais pobres e marginalizados se descobrirão revestidos de dignidade.
A voz profética de Isaías, tão presente durante o tempo de advento, desperta-nos para a Esperança, não dependente das circunstâncias e capacidades humanas, mas tão só na confiança na promessa de Deus que no Seu amor, não desampara as Suas criaturas e, na renovação constante da Sua Aliança, acompanha o Seu Povo em todas a suas vicissitudes.
Quanto nós, nos tempos em que vivemos, necessitamos desta Esperança maior que nos dê alento para continuar os caminhos da história actual e para transformarmos em alegria tantos vestígios de morte e de tristeza.
O mesmo se diga, da iluminação que nos vem da pessoa de João Batista, aquele que reconhece que Jesus de Nazaré já está no meio do Seu Povo, mas que continua oculto porque os Seus contemporâneos, fascinados pelos seus ídolos e mesquinhas tradições, não se abriram à luz nova que os levaria a contemplar em Jesus de Nazaré, Aquele que lhes trazia a salvação.
Quem não descobre, a partir de uma análise profunda da cultura actual na qual o ser humano se sente afectado, que esta é a mesma situação que se repete no contexto do mundo de hoje?
Seja numa prática ritualista da vida cristã, sem consciência do conteúdo que comporta a vida do discípulo de Jesus Cristo, seja pelo materialismo que inunda a sociedade, seja pelo ateísmo prático, indiferença e a opinião pessoal que tomou o lugar da busca incessante da verdade, reconhecemos que temos necessidade de Precursores, tal como João Baptista, que, uma vez familiarizados com Jesus Cristo, numa perfeita comunhão com Ele, alertem a sociedade actual para o abismo que sempre nos espreita quando não somos diligentes em procurar os verdadeiros caminhos que nos fazem humanos, fraternos e na experiência da verdadeira comunidade.
Isto é o que Jesus Cristo nos oferece com a Sua Encarnação e pela vivência de comunhão connosco que actualiza permanentemente, ao longo da história, na comunidade cristã para a qual nos convida a participar activamente.
Mas, sobretudo, somos convidados a colocar o nosso olhar na pessoa de Maria de Nazaré, convidada a participar decididamente no projecto de salvação da humanidade, entregado todo o seu ser ao apelo que Deus lhe dirige.
É verdadeiramente um sim que se exige de todos nós, hoje, para que Jesus Cristo se torne presente e actuante no meio do nosso mundo, tão necessitado de salvação como a sociedade do Seu tempo.
Por isso, este tempo de Advento é um convite a viver e celebrar em profundidade, em esperança e alegria a vinda do Senhor Jesus Cristo, mas igualmente a desafiarmo-nos perante o compromisso que a todos e a cada um nos cabe, entregando-nos inteiramente no nosso ser para a renovação da humanidade.
Este tempo de Esperança deve ter reforçado eco junto dos jovens que preparam a sua participação nas Jornadas Mundiais da Juventude/Lisboa 2023. Peço-vos, caros jovens que ajudeis as vossas comunidades a encontrarem as fontes da Esperança e da alegria junto de Jesus que nasce no meio de nós.
Não poderemos celebrar bem e em profundidade o Natal sem nos abrirmos às necessidades dos nossos irmãos, nomeadamente os mais pobres. São muitas as interpelações que nos chegam, mas a situação de guerra que vivem os nossos irmãos ucranianos e as suas dificuldades merecem a nossa atenção e partilha.
Neste sentido, e correspondendo ao apelo aflitivo que nos fez chegar o Arcebispo Maior da Igreja Greco – Católica Ucraniana de Kyiv – Halyc, Dom Sviatoslav Shevchuk, convido todas as comunidades cristãs e todos os cristãos que nas celebrações da Solenidade do Natal, na tradicional inclinação de veneração à imagem do Menino Jesus, coloquem a sua oferta que se destina a socorrer a Igreja da Ucrânia, nomeadamente na formação dos futuros sacerdotes.
Termino, expressando os meus votos de santo e feliz Natal para todos os diocesanos, os que estão no nosso território e os que estão na diáspora, às famílias, às crianças, jovens e idosos, mas sobretudo aos mais pobres e marginalizados, aos que estão presos e aos doentes e a viver na solidão.
Imploro de Nossa Senhora, Mãe de Jesus e nossa Mãe, de S. Bartolomeu dos Mártires, de S. Teotónio, de S. Paulo VI e de S. João Paulo II que abençoem todos os diocesanos de Viana do Castelo.
João Lavrador, Bispo de Viana do Castelo