Integrado nas comemorações do vigésimo aniversário das Comédias do Minho, “Agamémnon” estreia em Monção, no Cineteatro João Verde, no dia 3 de junho (21h30). É apresentado, depois, ao ar livre, na fortaleza de Valença, no dia 16 de junho (21h30) e no Centro Cultural de Paredes de Coura, nos dias 30 de junho e 1 de julho (22h).
Bruno Bravo, encenador do espetáculo e diretor artístico da companhia de teatro Primeiros Sintomas, tinha uma vontade antiga de encenar uma tragédia grega. Em coprodução com as Comédias do Minho, esse desejo tornou-se realidade. O elenco reflete a parceria, com interpretação de António Mortágua, Joana Campos, Mafalda Jara, Diogo Mazur (Primeiros Sintomas), Luís Filipe Silva e Sara Costa (Comédias do Minho). E, porque as Comédias do Minho trabalham em grande proximidade com as pessoas da comunidade, junta-se um Coro composto por 33 atores não profissionais, de Monção, Valença e Paredes de Coura.
Ao refletir sobre a origem do seu desejo, o encenador afirma: “A tragédia grega é muito importante. Deve ler-se o que chegou até nós. Apesar de parecer uma coisa estranha, estrangeira, porque é muito diferente do que se faz hoje em dia – quer pelo universo religioso evocado, quer pela forma teatral – , ao mesmo tempo, está-nos muitíssimo próxima! Pelos temas que trata, por tudo o que se fala sobre justiça, sobre poder, sobre sociedade, sobre a vida na cidade, sobre a condição do ser humano – a tragédia grega é riquíssima e trata de temas que são infinitos. E muito bem! Ésquilo é um dramaturgo absolutamente genial. Do meu ponto de vista, regressar a uma obra dramática e literária da tragédia grega é uma espécie de consolo, sobretudo num mundo tão distópico como estamos a viver agora – com uma guerra a acontecer, com inflação, com os extremismos, com todas estas inquietações. É como se tivesse o poder de devolver uma espécie de consolação ao pensamento sobre o ser humano. É um porto de abrigo. É a altura certa para uma tragédia grega.”
Agamémnon (António Mortágua) regressa a Argos com a sua escrava e amante Cassandra (Mafalda Jara). A cidade é governada por Clitemnestra (Joana Campos), sua esposa. E é ela, em conjunto com Egisto (Luís Filipe Silva), seu amante, que assassinará o marido, vingando a filha Efigénia, morta em sacrifício pelo pai, para acalmar o mar revolto quando as embarcações navegavam em direção a Troia.
Através desta corrente de sangue, que percorre também o segundo livro, reflete-se sobre uma ideia de justiça anterior à do estado de direito. É uma justiça de sangue, mediada pela vingança. O pai mata a filha, a mãe mata o marido e a corrente torna-se intemporal. Ou será a ‘justiça’ apenas um pretexto para influenciar o poder? À medida que avançamos nas obras da “Oresteia” e chegamos ao terceiro e último livro, “Euménides”, vemos surgir uma ideia de justiça mais imparcial e objetiva. É a primeira vez que há uma referência textual a esta ideia de justiça.
Se, por um lado, assistimos aos discursos e intrigas que acontecem no palácio, por outro, ouvimos a voz da Polis. O Coro é uma personagem fundamental nas tragédias esquilianas. Esta personagem coletiva representa os cidadãos, os que assistem impotentes aos atos dos governantes. A sua função é expressar a ira, a inquietação, a angústia e o lamento do povo. Ao pensar sobre o que seria este coro, no espetáculo, Bruno Bravo decidiu que teria de ser um verdadeiro signo da comunidade. E teria de ser diverso, não apenas masculino ou ancião, acolhendo também vozes femininas e mais novas.
O Coro teria de ser composto por atores não profissionais, provindos transversalmente de todos os setores da sociedade. Seriam efetivamente os cidadãos a dar voz ao Coro. E se, no original, o Coro dançava e cantava, aqui está sentado e fala. Bruno Bravo não pretende fazer uma reconstituição histórica do que era uma tragédia grega. Trabalha a partir dela. Assim, “o grande movimento é o da força da palavra”. Através do ritmo e do trabalho sobre o texto, entoado a várias vozes, constrói-se um espaço poético, lírico, num trabalho de expressão sobre aquilo que é intemporal.
O encenador adianta: “Não há quase ação. A ação é a palavra. Os crimes acontecem fora de cena, no interior do palácio. São anunciados, não se veem. O espetáculo é quase como um livro falado, suspenso no tempo, onde há o gosto de ouvir as palavras.” E porque o espetáculo atribui este lugar central ao texto, como é característico no trabalho de Bruno Bravo, a atenção dada à tradução foi enorme. Bruno Bravo convidou José Pedro Serra, Doutor em Cultura Clássica e especialista em Literatura Grega e Teatro Antigo, para traduzir a “Oresteia” diretamente do grego antigo.
O texto ganha vida, também, através da musicalidade que se atinge em cena. As palavras tornam-se partitura. Sérgio Delgado, que compõe a música e faz a sonoplastia de “Agamémnon”, também dirige o coro para que este proporcione uma experiência sonora ao público. Busca-se um ritmo, uma modulação da palavra, para que as frases fiquem no ouvido. O cenário impõe-se através de uma estética hiper-realista, criada por Stéphane Alberto. Se por um lado há um despojamento visível, por outro, cada elemento presente no espaço atinge uma função simbólica para a história. O desenho de luz é de Alexandre Costa.
Magda Henriques, diretora artística das Comédias do Minho, a propósito da importância da palavra no espetáculo de Bruno Bravo, comenta: “Talvez seja, também, um espetáculo sobre o poder da contemplação e da atenção. A atenção como um gesto político. Sobre a possibilidade de nos desligarmos da velocidade e da distração dos dias e nos entregarmos inteiros. Com tempo. De um outro tempo. De um tempo suspenso. ”
De 18 a 23 de julho, o espetáculo desloca-se para o CAL – Centro de Artes de Lisboa, espaço dos Primeiros Sintomas. O elenco profissional mantém-se, mas junta-se a um coro constituído por pessoas da cidade de Lisboa.
“Agamémnon” é o primeiro momento do projeto Oresteia, que decorre ao longo de três anos e que resultará em três espetáculos. A trilogia de Ésquilo compõe-se por três livros – Agamémnon, Coéforas e Euménides. Coéforas, o segundo momento deste projeto, acontecerá exclusivamente em Lisboa, em 2024. O culminar está previsto para 2025, num espetáculo que reúne os três livros. Terá apresentações no Minho e no grande auditório da Culturgest, em Lisboa.