FECHAR
Logo
Capa
A TOCAR Nome da música AUTOR

Regional

02 Jun 2023

Bruno Bravo: “É a altura certa para uma tragédia grega”

Pedro Xavier

Acessibilidade

T+

T-

Contraste Contraste
Ouvir
“Agamémnon” é a primeira peça de “Oresteia”, única trilogia conservada da época clássica. Escrita por Ésquilo no século V a.c., trata do regresso vitorioso do Rei Agamémnon a Argos, cidade grega, após a guerra de Troia.  O Coro, uma das principais personagens esquilianas, reúne-se, refletindo sobre a glória e lamentando os que pereceram em batalha. Mas o regresso do rei, após dez anos de ausência, preconiza um desfecho trágico. 

Integrado nas comemorações do vigésimo aniversário das Comédias do Minho, “Agamémnon” estreia em Monção, no Cineteatro João Verde, no dia 3 de junho (21h30). É apresentado, depois, ao ar livre, na fortaleza de Valença, no dia 16 de junho (21h30) e no Centro Cultural de Paredes de Coura, nos dias 30 de junho e 1 de julho (22h).

Bruno Bravo, encenador do espetáculo e diretor artístico da companhia de teatro Primeiros Sintomas, tinha uma vontade antiga de encenar uma tragédia grega. Em coprodução com as Comédias do Minho, esse desejo tornou-se realidade. O elenco reflete a parceria, com interpretação de António Mortágua, Joana Campos, Mafalda Jara, Diogo Mazur (Primeiros Sintomas), Luís Filipe Silva e Sara Costa (Comédias do Minho). E, porque as Comédias do Minho trabalham em grande proximidade com as pessoas da comunidade, junta-se um Coro composto por 33 atores não profissionais, de Monção, Valença e Paredes de Coura.

Ao refletir sobre a origem do seu desejo, o encenador afirma: “A tragédia grega é muito importante. Deve ler-se o que chegou até nós. Apesar de parecer uma coisa estranha, estrangeira, porque é muito diferente do que se faz hoje em dia – quer pelo universo religioso evocado, quer pela forma teatral – , ao mesmo tempo, está-nos muitíssimo próxima! Pelos temas que trata, por tudo o que se fala sobre justiça, sobre poder, sobre sociedade, sobre a vida na cidade, sobre a condição do ser humano – a tragédia grega é riquíssima e trata de temas que são infinitos. E muito bem! Ésquilo é um dramaturgo absolutamente genial. Do meu ponto de vista, regressar a uma obra dramática e literária da tragédia grega é uma espécie de consolo, sobretudo num mundo tão distópico como estamos a viver agora – com uma guerra a acontecer, com inflação, com os extremismos, com todas estas inquietações. É como se tivesse o poder de devolver uma espécie de consolação ao pensamento sobre o ser humano. É um porto de abrigo. É a altura certa para uma tragédia grega.”

Agamémnon (António Mortágua) regressa a Argos com a sua escrava e amante Cassandra (Mafalda Jara). A cidade é governada por Clitemnestra (Joana Campos), sua esposa. E é ela, em conjunto com Egisto (Luís Filipe Silva), seu amante, que assassinará o marido, vingando a filha Efigénia, morta em sacrifício pelo pai, para acalmar o mar revolto quando as embarcações navegavam em direção a Troia.

Através desta corrente de sangue, que percorre também o segundo livro, reflete-se sobre uma ideia de justiça anterior à do estado de direito. É uma justiça de sangue, mediada pela vingança. O pai mata a filha, a mãe mata o marido e a corrente torna-se intemporal. Ou será a ‘justiça’ apenas um pretexto para influenciar o poder? À medida que avançamos nas obras da “Oresteia” e chegamos ao terceiro e último livro, “Euménides”, vemos surgir uma ideia de justiça mais imparcial e objetiva. É a primeira vez que há uma referência textual a esta ideia de justiça.

Se, por um lado, assistimos aos discursos e intrigas que acontecem no palácio, por outro, ouvimos a voz da Polis. O Coro é uma personagem fundamental nas tragédias esquilianas. Esta personagem coletiva representa os cidadãos, os que assistem impotentes aos atos dos governantes. A sua função é expressar a ira, a inquietação, a angústia e o lamento do povo. Ao pensar sobre o que seria este coro, no espetáculo, Bruno Bravo decidiu que teria de ser um verdadeiro signo da comunidade. E teria de ser diverso, não apenas masculino ou ancião, acolhendo também vozes femininas e mais novas.

O Coro teria de ser composto por atores não profissionais, provindos transversalmente de todos os setores da sociedade. Seriam efetivamente os cidadãos a dar voz ao Coro. E se, no original, o Coro dançava e cantava, aqui está sentado e fala. Bruno Bravo não pretende fazer uma reconstituição histórica do que era uma tragédia grega. Trabalha a partir dela. Assim, “o grande movimento é o da força da palavra”. Através do ritmo e do trabalho sobre o texto, entoado a várias vozes, constrói-se um espaço poético, lírico, num trabalho de expressão sobre aquilo que é intemporal.

O encenador adianta: “Não há quase ação. A ação é a palavra. Os crimes acontecem fora de cena, no interior do palácio. São anunciados, não se veem. O espetáculo é quase como um livro falado, suspenso no tempo, onde há o gosto de ouvir as palavras.” E porque o espetáculo atribui este lugar central ao texto, como é característico no trabalho de Bruno Bravo, a atenção dada à tradução foi enorme. Bruno Bravo convidou José Pedro Serra, Doutor em Cultura Clássica e especialista em Literatura Grega e Teatro Antigo, para traduzir a “Oresteia” diretamente do grego antigo.

 O texto ganha vida, também, através da musicalidade que se atinge em cena. As palavras tornam-se partitura. Sérgio Delgado, que compõe a música e faz a sonoplastia de “Agamémnon”, também dirige o coro para que este proporcione uma experiência sonora ao público. Busca-se um ritmo, uma modulação da palavra, para que as frases fiquem no ouvido. O cenário impõe-se através de uma estética hiper-realista, criada por Stéphane Alberto. Se por um lado há um despojamento visível, por outro, cada elemento presente no espaço atinge uma função simbólica para a história. O desenho de luz é de Alexandre Costa.

Magda Henriques, diretora artística das Comédias do Minho, a propósito da importância da palavra no espetáculo de Bruno Bravo, comenta: “Talvez seja, também, um espetáculo sobre o poder da contemplação e da atenção. A atenção como um gesto político. Sobre a possibilidade de nos desligarmos da velocidade e da distração dos dias e nos entregarmos inteiros. Com tempo. De um outro tempo. De um tempo suspenso. ”

De 18 a 23 de julho, o espetáculo desloca-se para o CAL – Centro de Artes de Lisboa, espaço dos Primeiros Sintomas. O elenco profissional mantém-se, mas junta-se a um coro constituído por pessoas da cidade de Lisboa.

“Agamémnon” é o primeiro momento do projeto Oresteia, que decorre ao longo de três anos e que resultará em três espetáculos. A trilogia de Ésquilo compõe-se por três livros – AgamémnonCoéforas e EuménidesCoéforas, o segundo momento deste projeto, acontecerá exclusivamente em Lisboa, em 2024. O culminar está previsto para 2025, num espetáculo que reúne os três livros. Terá apresentações no Minho e no grande auditório da Culturgest, em Lisboa.

Últimas Noticias

Últimos Podcasts