Ele argumenta que a criptomoeda funciona como “ouro digital” pela sua divisibilidade, facilidade de transporte e oferta previsível, limitada a 21 milhões de unidades. A ideia recolocou no debate público o papel dos criptoativos na política económica e financeira do país.
Porque é que o tema regressa agora
O calendário regulatório europeu e o contexto de mercado ajudam a explicar o momento. Desde 30 de junho de 2024 entraram em vigor na União Europeia as regras do MiCA para stablecoins, e desde 30 de dezembro de 2024 aplicam-se as disposições para prestadores de serviços de criptoativos (CASP).
Em Portugal, o Banco de Portugal (BdP) esclareceu a 3 de janeiro de 2025 que, na ausência de diploma nacional que designe a autoridade competente, deixou de poder apreciar novos pedidos de autorização, mantendo, contudo, a atividade das entidades já registadas ao abrigo do regime anterior de prevenção do branqueamento de capitais.
No plano interno, o interesse em cripto convive com preocupações de privacidade e conformidade. Entre os utilizadores de retalho, cresce a curiosidade por soluções que anunciam maior reserva de dados, como as exchanges sem KYC. Conceito que também se discute no mercado cripto à luz do enquadramento europeu e português.
Mas o debate atual vai além dos deveres de identificação e das implicações para o consumidor. O IPB sustenta que o país não pode ficar para trás e que a Bitcoin deve ser encarada como possível ativo de refúgio, comparável ao ouro.
O argumento principal é que o BTC reúne características que lhe conferem escassez e portabilidade, permitindo liquidação sem intermediários e fornecendo previsibilidade da oferta, ao contrário do metal precioso, cuja quantidade conhecida pode variar com novas descobertas.
O objetivo seria diversificar parte do balanço nacional com um ativo de natureza distinta, reforçando a autonomia e a capacidade de proteção em cenários de choque. As declarações do presidente do IPB foram feitas no Negócios no NOW e mantiveram a proposta na agenda mediática.
MiCA, supervisão e o “interregno” nacional
Com o MiCA, a autorização e supervisão dos prestadores de serviços com criptoativos passam a caber à autoridade competente designada por cada Estado-Membro. Em Portugal, essa designação ainda não foi formalmente publicada, o que criou um período transitório invulgar.
O BdP deixou de receber e decidir novos pedidos, mas as empresas já registadas ao abrigo da Lei n.º 83/2017 puderam continuar a operar nos termos previamente autorizados. Escritórios de advogados e a própria imprensa económica têm sublinhado este vazio institucional temporário, relevante para a competitividade do ecossistema.
Desde o Orçamento do Estado para 2023, Portugal tributa as mais-valias de criptoativos detidos por menos de 365 dias à taxa especial de 28%, com possibilidade de englobamento.
As alienações após 365 dias estão isentas, mantendo-se, porém, obrigações declarativas. A informação operacional para o preenchimento do Modelo 3 (anexos G e G1) confirma o novo enquadramento. Para quem investe, este é hoje um dos pontos mais claros do regime português.
Ouro vs. Bitcoin: O que significaria uma “reserva” em números
A comparação com o ouro é incontornável e frequente. Portugal detém, de forma estável há anos, cerca de 382,6 toneladas de ouro no balanço do Banco de Portugal. O valor de mercado dessa posição ultrapassou 33 mil milhões de euros no arranque de 2025, refletindo a valorização internacional do metal.
Estes números ajudam a enquadrar a escala do debate. Mesmo uma alocação simbólica ao BTC, por exemplo, uma fração percentual do valor das reservas de ouro, teria impactos orçamentais, de risco e de comunicação que exigem mandato claro, métricas de volatilidade e planos de contingência.
Do ponto de vista técnico, uma eventual decisão política teria de responder a questões concretas. Quem seria a entidade gestora, como funcionaria a custódia (autocustódia institucional com chaves distribuídas, ou custodiantes regulados sob MiCA quando disponíveis), quais os critérios de auditoria e transparência.
E também que limites de exposição e de perdas seriam tolerados. São aspetos de governança semelhantes aos que regem a gestão de reservas cambiais e de ouro, mas com particularidades tecnológicas próprias dos criptoativos.
Os defensores da iniciativa sublinham que uma pequena exposição a BTC poderia sinalizar inovação na União Europeia e promover o ecossistema local, atraindo talento e investimento.
Os críticos alertam para a volatilidade do ativo, o risco de timing político e o facto de o país ainda estar a fechar o desenho institucional sob MiCA, recomendando prudência até maturar a supervisão e a infraestrutura de mercado.
Enquanto isso, a discussão pública pode acelerar decisões pendentes, desde a designação da autoridade competente à clarificação de normas complementares, reduzindo a incerteza para empresas e consumidores.